Sempre me pareceu meio estranho escrever mensagens em redes sociais para quem já partiu, mas aqui estou eu com o intuito de te deixar uma última homenagem. Bem, talvez não seja a última, mas é de agora. Espero que sinta de alguma forma a vibração por aí…
Ah pai, foi tão rápido e você foi tão cedo… Dizem que esse é um privilégio das boas pessoas, elas não ficam por aqui sofrendo e esse é meu único conforto agora.
Nesses últimos dias lembrei com muito carinho dos momentos únicos e especiais entre a gente. É curioso como o que mais deixa saudade são àquelas pequenas coisas do dia a dia, da convivência, mesmo que a gente tenha sido meio que engolido pelo cotidiano nos últimos tempos, e com isso, acabamos não fazendo aquele almoço no novo restaurante português que você certamente iria amar.
São essas pequenas coisas que apertam o peito e embolam a garganta quando a distância não está mais em quilômetros, mas sim na matéria.
Das caronas matutinas, se eu estivesse acordada ou você não estivesse bufando por me buscar no metrô. Fazia parte da nossa dinâmica, mesmo se eu não estivesse com tanto sono ou você não estivesse tão injuriado… A gente amava rotina e discordar. Não acho que isso é para tudo, mas era entre a gente. Rotina é algo seguro!
Argumentávamos sobre as coisas, e se em algum momento o outro concordasse, um dos dois virava casaca para outro lado.
Sabe que não tinha me dado conta que esse traço tão marcante da minha personalidade vem de você? Deve parecer meio óbvio para quem nos conhece, mas só percebi agora.
Tudo começou com música e com a Elis.
Vamos combinar, nem mesmo quando admiti que ela era uma intérprete incrível, você deu paz. Porque para você era algo muito maior, então era absolutamente impossível conversar sobre ela.
Aliás, ela cantou “Fascinação” na sua despedida, tão doce e delicada como poderia ser, acabei lembrando que foi a primeira música dela que admiti que amava… Claro que pirracei por um bom tempo dizendo que a versão da Nana Caymmi era melhor.
Essa foi a primeira, e uma das poucas músicas, que aprendi a tocar no teclado… Você deve lembrar, porque tocava mal para caramba, apesar de me ouvir e me incentivar.
Nosso hábito em discordar de absolutamente tudo chegou no Chico, durante a vida adulta. Algum tempo depois d’eu declarar amor eterno, você passou a detestá-lo.
Das minhas últimas “descobertas” musicais, vou destacar o fado. Esses dias no hospital, foi o que coloquei para ouvir, Elis Regina e Fado, mas só animado, porque a vó falou que não podia ter música triste.
Importante que saiba, que quando sentiu seus pés quentinhos, foi ela percebeu que ficava gelado, esquentou em todos os dias que te visitou e me fez prometer que faria também.
Nem vou falar de futebol né? Você torceu para Lusa! Não dá para discutir sobre isso! Você pegava no pé do Cristiano Ronaldo e dizia que o Celsinho seria o melhor do mundo, mas dá para lembrar de alguns bons jogos que assistimos no Canindé, com vários padeiros bravos.
Aliás, graças a você e a nossa família aprendi a respeitar e querer conhecer mais sobre nossas origens. Só posso agradecer por isso.
E agradeço também o orgulho que sempre sentiu de mim.
Sobre TV a gente curtia esportes juntos, “Sai de Baixo” e acabei me lembrando quando acompanhou comigo uma das mil vezes que assisti de ‘A Usurpadora’.
Churrasco não era com você, mas queria mais um domingo de sardinhada na casa da vó. Aliás, já sentia falta do seu arroz e da sua sopa, agora eu daria um “prêmio Michelin” por eles… Não tem como comparar algo que não posso mais ter.
Ahhh você renegou bravamente gatos, até eles chegarem e ganharem seu coração. Hermione nunca mais foi a mesma desde que foi embora e sei que o Thor e a Mystica vão sentir muitas saudades também.
O luto tem 5 fases, apesar de estar serena hoje, mas logo deve ficar mais difícil, bem como no momento em que recebi a notícia, o chão pareceu me faltar. Devo passar por mais da etapa de negação. As próximas etapas são raiva, barganha, depressão e aceitação.
Saber a sequência, não alivia.
Quero que saiba que vou guardá-lo com todo amor no meu coração e vou me lembrar dessas coisas entre nós. Como te disse esses dias, fizemos o melhor que pudemos até aqui e não fica qualquer mágoa ou ressentimento.
A gente tinha um plano, mas Deus tinha o plano dele.
Esses dias que foram como uma montanha russa, esperando qualquer mínima boa notícia para me agarrar a esperança de que você ficaria. Sei que você lutou muito, quero que saiba que acreditei com toda minha fé até o último momento.
Anda meio batida essa frase agora, mas vou sentir saudades do que não vivemos. Você não vai cair no choro me vendo de noiva, nem entrar comigo na igreja, não vai ver como ficou minha casa e nem conhecer meus filhos.
Não parece justo, mas é o fato. Não tem poesia, só vazio.
Quero que saiba que vou sentir saudades e te amar para sempre, e que de alguma forma, sei que estará lá em todos esses momentos. Seus netos saberão que a vitoriosa Portuguesa existiu e que a Leões da Fabulosa era assustadoramente apaixonada.
Entre roupinhas do tricolor, teremos roupinhas da gloriosa Lusa e do poderoso União Belém.
Para finalizar, eu vinha te dizendo que uma corrente muito bonita de amor se fez por sua causa. Não sei como são as coisas aí no mundo espiritual, se você viu ou soube, mas tinha tanta gente que te amava para se despedir…
Seria melhor todos reunidos numa festa, mas pode se sentir orgulhoso: Você deixou sua marca de amor por aqui.
Confesso que não conhecia algumas pessoas, mas pudera… Alguns estudaram com você no colégio.
Fiquei orgulhosa de você por isso, e por ver que também, viveu intensamente com alguém que te amou muito esses últimos anos.
E fico feliz por ter conhecido o companheiro que escolhi para compartilhar a vida, como pôde ver, não tem que se preocupar com isso.
Me despedi mil vezes ontem e gostaria de ter mais mil para me despedir. Não como agora, mas sim dando um beijo e abraçando seu corpo magrelo com um até mais. Queria ouvir a sua voz e depois quando tiver coragem, vou ouvir alguma no Whatsapp.
Vamos cuidar da vó por aqui e de nós mesmos também.
Te amo hoje e pra sempre.
— com Julio Pires.